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sexta-feira, 4 de março de 2011

. Mar

O vento roçava a superfície do mar, que levantava o espelho d’água, que produzia o nascedouro das ondas num espetáculo sem fim. As ondas espumavam diariamente e se debruçavam orgulhosamente na orla da praia.
Uma menina cresceu correndo pela areia. Ela sorria e brincava. Nem aquelas tardes chuvosas conseguiam tirar-lhe o seu melhor, o sorriso. Era feliz, não havia preocupações, nem problemas; e quando por algum motivo bobo ela entristecia, corria para o mar. Enlaçava-se em seus braços quentes e já não mais lembrava o passado, só vivia aquele momento que era único, não voltaria. O colorido se renovava, e, sentada à beira, sendo docemente embalada pelo vai e vem das ondas, brincava com conchinhas e sorria. Havia paz e harmonia, mas principalmente uma sintonia sem igual entre aquela menina e a imensidão azul. O azul que transparecia em seus olhos como se fossem espelhos. Era possível ver o balanço das ondas através deles e brilhavam, quando diante das mesmas. Entardecia, o sol se punha ao fundo e ela continuava ali, entre as ondas e as conchas, observando o eterno beijo. Escurecia e o breu não era suficiente para fazê-la ter medo. Sentia-se protegida ale, e até preferia assim, podia perceber o mar através de outros sentidos. Sentir o cheiro, a maresia e a brisa que acariciava o seu rosto e levava seus cabelos. Ouvir as ondas quebrarem não muito longe dali e chegarem apenas marolas em seus joelhos, pernas, braços, corpo. Sentir o sal em seus lábios. Tudo isso era segredo, enquanto todos preferiam o dia, ela preferia a noite, era o seu segredo azul. Mas nada é para sempre, tudo tem um fim; e ela sempre soube disso. Aquela menina cresceu e toda a magia parecia ter acabado. Foi embora, deixou o mar, era o fim. Foi longe, procurava por algo que nem ela mesma sabia, só sentia que precisava de algo mais. Andou o mundo, conheceu, lugares, pessoas, coisas; riu, teve prazer em alguns momentos e remorso após cada um deles, sentiu ciúmes, raiva e tantos outros sentimentos desconhecidos a ela até então. Decepciono-se, desejou desaparecer, sentiu ódio, vingança... Amou, perdeu e quando se deu conta já era tarde. Havia mudado tragicamente. Ela já não era aquela pequena menina do mar, por fora, há tempos, e agora, perdera também sua essência. Perdera o seu melhor. Já não havia mais o seu sorriso, tinha sido apagado dia após dia, até finalmente deixar de existir. Passou a gostar da noite por outros motivos, acostumou-se com o frio... Lembrava-se vagamente de braços quentes que um dia acalentou-a, agarrou-se ao oposto. Chegou à conclusão de que o que procurava não era bom, e talvez nem o precisasse de verdade, ou pelo menos não tanto. Seus olhos não brilhavam mais. Jamais seria de novo aquela menina que corria para o mar e lá encontrava o que procurava, lá encontrava sua felicidade... Sentia falta, tinha medo. Medo de voltar, de encontrar mudanças iguais às que haviam acontecido com ela. Medo de que tudo estivesse diferente demais. Medo de que o mar não a aceitasse de volta. Mas ela era incompleta sem ele e não conseguiria continuar com um pedaço faltando. Precisava tentar, e tentou...  Percebeu que tudo o que tanto procurou estava lá, sempre esteve lá, ela só não tinha percebido. Tudo permanecia exatamente igual, do jeito que ela havia deixado. Temia que sua cor mudasse, no entanto ele continuava perfeitamente azul. Aquele azul que outrora transpareceu em seus olhos de menina. Sentiu a brisa, sentiu a paz, a felicidade. Encontrou a menina do mar dentro de si. Seu sorriso voltou. Lembranças das conchas, do sal, o abraço acalentador que a fazia esquecer-se de tudo. Tocou suas águas quentes, sorrindo, seus olhos voltaram a brilhar. Quis o conforto delas. Entrou e se perdeu, sentindo que ele a aceitara. Prometeu jamais ir embora de novo. Tornara-se uma mulher do mar e dali pra frente ela levava a idéia de que o que é bom nunca acaba apenas se transforma e que todo o fim é na verdade um novo começo. Entrou e se perdeu na imensidão azul. Ficou lá, jamais voltou.

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